Ceará tem a 8ª maior taxa de mortes relacionadas ao consumo de álcool no Brasil, mostra levantamento

O Ceará tem a 8ª maior taxa de mortes atribuíveis ao álcool no Brasil e é um entre os 16 estados onde o indicador é maior do que o nacional. Em 2022, último ano com dados consolidados, mais de 3,3 mil cearenses foram a óbito por consequências do uso nocivo da substância, sendo a maioria das vítimas homens (79%) e com mais de 50 anos (50%).

A publicação Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024, produzida pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), mostra que o Estado registrou 36,2 óbitos desse tipo a cada 100 mil habitantes em 2022, enquanto a taxa em todo o Brasil foi de 32,8 mortes. Nesse ranking, os maiores índices ocorreram no Paraná (42), Espírito Santo (39,4), Piauí (38,9), Tocantins (38,4) e Rio Grande do Sul (38).

No cenário nacional, o levantamento aponta que essas mortes estavam diminuindo até 2019, mas a pandemia de coronavírus reverteu o cenário e a taxa nacional voltou a crescer a partir de 2020. “Não só muitas pessoas passaram a beber mais nesse período como teve uma interrupção do tratamento de muita gente”, diz Mariana Thibes, doutora em Sociologia e coordenadora do CISA, ao avaliar o cenário.

Ao contrário de acidentes de trânsito, que podem ocorrer e provocar mortes sem que os envolvidos tenham consumido bebidas alcoólicas, algumas causas estão intrinsecamente ligadas à ingestão delas. É o caso dos transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso do álcool e da doença alcoólica do fígado.

Os anos de pandemia também reverteram a tendência de queda das mortes por essas doenças totalmente atribuíveis ao álcool, que foi observada de 2014 a 2019 no País. A taxa voltou a aumentar e atingiu, em 2022, o maior valor desde 2010. “Especial atenção deve ser dada para os óbitos por doença alcoólica do fígado, que aumentaram mais de 30% de 2019 para 2020”, destaca a publicação.

AS CAUSAS DE MORTE NO CEARÁ

A maioria das mortes associadas ao uso do álcool é registrada na população com 55 anos ou mais — e isso ocorre tanto no Brasil quanto no Ceará. Mariana Thibes explica que a análise das causas dos óbitos por faixa etária mostra que pessoas mais velhas, a partir de 35 anos, morrem por questões crônicas — como a doença alcoólica do fígado ou problemas cardiovasculares.

São questões mais de médio e longo prazo. Uma doença crônica dificilmente parece quando se tem 18 anos, ela tende a aparecer mais lá na frente. Por isso a prevenção é importante. Uma pessoa que faz uso abusivo de álcool na juventude, muitas vezes, não vai sofrer as consequências de forma imediata, a não ser uma violência ou um acidente de trânsito. (…) Se a pessoa muda o comportamento dela ainda na juventude, a chance de ela desenvolver um problema lá na frente diminui.
Mariana Thibes
Doutora em Sociologia e coordenadora do CISA

Especificamente na realidade do Ceará, Mariana chama atenção para a presença da “agressão por meio de disparo de arma de fogo” entre as principais causas de morte ligadas ao uso de álcool em todas as faixas etárias. “A gente não verifica isso em todos os estados. O uso de álcool associado à violência é uma questão grave no estado do Ceará, e os agentes públicos precisam estar de olho”, alerta.

No Estado, a violência corresponde a 10% das mortes, ficando em terceiro lugar. As duas principais causas são “doença alcoólica do fígado” (18%) e “transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool” (12%). Em quarto lugar estão “fibrose e cirrose hepáticas” (6%). “Se a gente observar, todas as causas são totalmente preveníveis. Então, nos estados que estão pior nesse cenário, é preciso discutir prevenção”, afirma a coordenadora.

IMPACTOS DA DESIGUALDADE

Voltando aos resultados nacionais, o relatório do CISA também investiga como esse problema atinge a população de maneiras diferentes conforme a questão racial. A desigualdade social — e racial — existente na sociedade brasileira tem reflexo no acesso ao sistema de saúde e nos resultados encontrados para a população preta e parda do País. “Os dados são muito claros. Eles mostram que a população negra é a mais prejudicada hoje pelo uso nocivo de álcool. São quem mais morre”, afirma Mariana Thibes.

Se uma pessoa branca, de classe média, com renda maior, sofre com esse problema, ela pode procurar rapidamente um tratamento, muitas vezes particular, e rapidamente ser atendida. Enquanto uma pessoa que reside em áreas periféricas, com dificuldade de acessar o sistema de saúde, muitas vezes demora meses para conseguir uma única consulta para obter tratamento. E muitas vezes a pessoa que está sofrendo com esse problema não tem esse tempo para esperar.
Mariana Thibes
Doutora em Sociologia e coordenadora do CISA

A coordenadora destaca que isso também ocorre em relação a outras questões de saúde, mas destaca o estigma que existe quando se fala do uso nocivo do álcool como um agravante. “(Isso) faz com que as pessoas ainda demorem mais para procurar ajuda”, aponta.

META: REDUZIR O USO NOCIVO DO ÁLCOOL EM 20%

Segundo informações da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o consumo de álcool está relacionado a mais de 200 doenças e lesões. Ele está associado ao risco de desenvolvimento de problemas de saúde como distúrbios mentais e comportamentais, doenças não transmissíveis graves — como cirrose hepática —, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares, além de lesões resultantes de violência e acidentes de trânsito.

Em junho deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, no Relatório Global sobre Álcool, Saúde e Tratamento de Transtornos por Uso de Substâncias, que o consumo de bebidas alcoólicas é responsável por 2,6 milhões de mortes todos os anos. Isso corresponde a 4,7% de todas as mortes que ocorrem no mundo.

Nesse contexto, a OMS criou um plano de ação sobre o álcool 2022–2030, endossado pela 75ª Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2022. Nele, foi estabelecida a meta de reduzir o uso nocivo do álcool em pelo menos 20%, em comparação com 2010.

Dados da OMS presentes no relatório do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool apontam que o consumo per capita da substância, no Brasil, teve redução de 10,4% entre 2010 e 2019 — passando de 8,6L para 7,7L. Porém, esse valor continua acima da média das Américas.

Apesar da redução no consumo per capita, o País foi na contramão da tendência mundial e teve aumento do “Beber Pesado Episódico (BPE)”, um consumo abusivo do álcool, entre 2010 e 2016, conforme a publicação do CISA. O BPE é definido pela OMS como o consumo de 60 g ou mais de álcool puro (cerca de 4 doses ou mais) em pelo menos uma ocasião no último mês.

AÇÕES PARA LIDAR COM O USO NOCIVO DO ÁLCOOL

Para a coordenadora do CISA, há duas medidas que o poder público pode adotar para lidar com esses casos. A primeira é realizar campanhas de educação e conscientização sobre os malefícios do consumo do álcool, e a outra é preparar os serviços públicos para identificar o problema precocemente.

“Por exemplo, (existe) a triagem e intervenção breve, um protocolo validado pela ciência em que você aplica um questionário simples. Qualquer profissional de saúde pode fazer isso, e ele consegue identificar rapidamente se aquela pessoa tem um uso nocivo de álcool e já encaminhar para um tratamento, se for necessário”, complementa.

A coordenadora de Políticas de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), Rane Félix, destaca que existem 30 Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (CAPS AD) em todo o Ceará e que uma das atribuições dos equipamentos consiste em “desenvolver ações e estratégias de cuidado e redução de danos para o uso abusivo de álcool por meio de informações científicas de qualidade”.

la pontua que os serviços realizam ações em parceria com outras áreas, principalmente as escolas, para contribuir com a prevenção ao uso de drogas por meio de informações, com participação, por exemplo, em atividades na comunidade e em ciclo de debates nas rádios comunitárias.

“Ainda destacamos o desenvolvimento de ações de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado dos transtornos mentais, estratégias de redução de danos e cuidado para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, compartilhadas, sempre que necessário, com os demais pontos da rede”, complementa a gestora.

A assistência prestada pelos CAPS AD, conforme portaria do Ministério da Saúde, consistem nas seguintes atividades:

A assistência prestada pelos CAPS AD, conforme portaria do Ministério da Saúde, consistem nas seguintes atividades:

  • Atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);
  • Atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras);
  • Atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;
  • Visitas e atendimentos domiciliares;
  • Atendimento à família;
  • Atividades comunitárias enfocando a integração do dependente químico na comunidade e sua inserção familiar e social.

Fonte: Diário do Nordeste

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